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Se Chorão e Champignon tivessem se perdoado para valer, tudo seria diferente, acredita viúva de baixista

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Claudia Bossle de Campos e a filha Maria Amélia (Foto: Andreza Boeing)

Raiva, revolta, desejo de vingança. Difícil sentir algo diferente ao enfrentar uma traição pública, ou presenciar o suicídio do marido grávida de 5 meses. Mais ainda ao ter um filho assassinado. Tido como um dos mais nobres sentimentos, o perdão tem pouco de altruísmo e mais de superação. Embora seja celebrado em todas as religiões – é citado em passagens na Bíblia e é o tema central do Yom Kipur, no judaísmo –, ele é, por si só, quase um ato de egoísmo, pois quem tem a capacidade de desculpar se livra do peso de ressentimentos e fortalece a autoestima. Dessa forma, cicatriza uma ferida que insiste em se manter aberta. “Quem consegue exercer o perdão para valer deixa de se sentir vítima de uma situação para se tornar protagonista”, explica a terapeuta Heloísa Capelas, autora do livro "O Manual da Felicidade" (Gente, 239 págs., R$ 30).

O psicanalista Christian Dunker, do Instituto de Psicologia da USP, explica que perdoar é difícil porque a vítima nunca se sentirá quite com o agressor. Por isso, para viver em paz, resta a ela superar o ocorrido – mas de verdade. “É importante não confundir o perdão com masoquismo. Um perdão barato não é transformador, ao contrário, só aprisiona e mal acostuma”, diz. A seguir, confira as histórias dramáticas de três mulheres que passaram por situações que muitos poderiam considerar imperdoáveis. Mas elas conseguiram e deixaram suas vidas mais leves e felizes.

Leia o depoimento da cantora Claudia Bossle de Campos, 34, que perdoou o marido, o baixista do Charlie Brown Jr., conhecido como Champignon, que se matou quando ela estava grávida de cinco meses. A reportagem completa você lê em Marie Claire de janeiro.

Claudia e Champignon (Foto: Arquivo pessoal)

“Estava dopada e confusa, mas lembro bem dos comentários de alguns parentes e amigos revoltados que foram ao enterro do Luiz. ‘Ele não merece perdão. Foi egoísta, não podia ter cometido essa loucura sem pensar em você.’ Por isso, em um momento ao lado do caixão, gritei: ‘Eu te perdoo, meu amor!’ Quando o Luiz acabou com a própria vida, em 9 de setembro de 2013, eu estava grávida de cinco meses da Maria Amélia. Era a mistura dos nomes de nossas mães, que havíamos escolhido juntos para ela.

O Luiz era mais conhecido como Champignon, o baixista do Charlie Brown Jr. Ao lado do Chorão, o vocalista, formou a banda em 1992. O Champs tinha 12 anos quando o Chorão, aos 20, o trouxe para o grupo. Havia muito afeto entre eles, era uma relação meio de pai e filho. Mas os dois tinham personalidades explosivas e, artisticamente, egos muito fortes.
Conheci o Champs em 2009, na casa de uma amiga. Sempre fui mais ligada em jazz, então sabia pouco de seu trabalho no Charlie Brown Jr., do qual ele havia saído após brigas com o Chorão [os músicos trocaram ofensas publicamente e Champignon acusou o colega de tirar dinheiro da banda]. Apesar da postura de bad boy, o Champs era um doce comigo, mas também ciumento e às vezes tinha ataques de fúria. Namorávamos havia quase um ano quando ele encontrou um celular antigo em uma gaveta e leu mensagens de um ex. Ficou descontrolado e nem me deixou explicar que o aparelho era velho. Gritou palavrões, saiu batendo portas e, semanas depois, já estava com outra. Decepcionada, virei a página. Aceitei um convite para cantar em um cruzeiro em Dubai, que durou um ano.

O Champs se arrependeu, quis se reaproximar e mandava e-mails pedindo para conversarmos no Skype. Não aceitava, pois sabia que no dia em que ligasse a câmera do computador, minha vida mudaria – e foi o que aconteceu. Ficamos viciados um no outro, passávamos horas namorando e compondo músicas virtualmente. Voltei para o Brasil em 2011. Troquei uma vida confortável em Dubai para morar com ele em um apartamento alugado de dois quartos em Santos. Faria tudo novamente, mesmo sabendo como nossa história chegaria ao fim.

Nessa mesma fase, o Champs procurou o Chorão, queria voltar para a banda. Foram conversas acaloradas, em que eles se cobraram pelas acusações. Decidiram retomar o grupo, mas nunca se acertaram para valer. O Champs tinha uma necessidade enorme de se sentir perdoado. Nos shows, o Chorão era grosseiro, o humilhava no camarim e até no palco. Além do problema com as drogas, que o desequilibrava, ele cobrava do Champs uma gratidão eterna.

Para compensar, nossa relação estava ótima. Comprei um apartamento em São Paulo e nos mudamos. O Champs planejava montar um projeto paralelo de jazz comigo – ele criaria os arranjos e eu cantaria. Também me pedia um filho, mas eu tinha dúvidas. Ele vivia nervoso e sentia vergonha de andar na rua por causa dos maus tratos que sofria em público.

O Chorão morreu de overdose em março de 2013, um mês antes da descoberta de minha gravidez. O Champs ficou abalado, sentia raiva pelo descontrole do amigo com as drogas e rancor por tudo o que sofrera. Foi então que me dei conta de que ele desejava um perdão do amigo, mas ele próprio nunca o havia perdoado.

Para piorar, passava horas na internet lendo ofensas de fãs, bullying de gente que disseminava ódio. Nessas horas, eu roubava o computador de suas mãos e mostrava vídeos do ultrassom ou uma novidade do enxoval do bebê. O Champs se derretia, mas em seguida entrava de novo na internet. Na véspera da noite fatal, ele me fez perguntas sobre suicídio. Como sou espírita, ele queria saber o que minha religião dizia sobre pessoas que acabavam com a própria vida. Expliquei as consequências terríveis desse ato e, preocupada, perguntei o porquê da curiosidade. ‘Eu sempre penso que a overdose foi de propósito. Será que ele está bem agora?’, foi o que me respondeu, referindo-se ao Chorão, morto seis meses antes. 

Às vezes refaço nossos passos e imagino o que teria acontecido se eu tivesse entrado no quarto, arrancado o revólver de sua mão e impedido que disparasse contra a cabeça. Mas aí penso que a bala poderia ter atingido nossa filha em minha barriga. Foi a Maria Amélia que me deu forças para seguir em frente. Ela fará 1 ano no mês que vem e é a cara do pai.

Nunca tive raiva do Champs, só compaixão. Talvez, se fosse com outra mulher, eu pensaria: ‘Que cara filho da puta! Se matou e nem pensou na esposa grávida!’. Meu perdão foi instantâneo, até porque aprendi muito com a relação dele e do Chorão. Se eles tivessem se perdoado para valer, tudo seria diferente. Talvez ainda estivessem aqui.”

 

 


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