Na sexta-feira (1° de julho), o campus de Bauru da Universidade Estadual Paulista (Unesp) amanheceu tomado por cartazes ilustrados com mensagens de texto de teor sexual. No que parece ser um exposed, frases como: "Vou te comer em pé em alguma rua da cidade. E fazer você chupar meu pau" e "Quero muito comer seu cu. E que passe o dia chupando o meu pau". Logo acima delas, o nome e o rosto de Marcelo Magalhães Bulhões, professor adjunto do departamento de Ciências Humanas da universidade.
Marie Claire ouviu relatos de alunas e ex-alunas de Bulhões, nove mulheres falaram com a reportagem. Segundo as entrevistadas, que tiveram contato com o docente – e enquanto suas educandas – entre os anos de 2011 e 2022, o tratamento dispensado a elas foi marcado por assédio e tentativas de abuso, incluindo toques não consentidos.

Os depoimentos ainda detalham um "modus operandi" de Bulhões e um perfil das alunas das quais teria se aproximado – calouras em seu primeiro ano de faculdade, vindas de outras cidades e com idades entre 18 e 19 anos. Conforme disseram, o professor vinha com a promessa de uma orientação para iniciação científica e as convidava para tomar um vinho ou café fora do campus. A partir daí, um comportamento invasivo por parte dele começava a acontecer.
Na quarta-feira (6), a Unesp anunciou o afastamento do professor por um período de 180 dias enquanto investiga o caso. A universidade também instaurou uma Comissão de Sindicância para apurar as acusações de assédio sexual feitas por alunas e ex-alunas. Procurado por Marie Claire, Bulhões negou as acusações e afirmou estar sendo vítima de calúnia.
Fryda* entrou no curso de jornalismo da Unesp no ano de 2011 e relata que apesar de assuntos como assédio e feminismo não serem tão discutidos na universidade na época, recebeu avisos de veteranas para "tomar cuidado com o professor Bulhões porque às vezes ele vem com algumas graças". Ela também recorda de ter ouvido para não aceitar caronas dele.
"Comigo, e desde o começo, ele sempre foi de tocar no cabelo e braço. Também me pedia para escrever algo no quadro ou distribuir provas e me chamava de 'lindinha'. Eu tinha 18 anos e isso já me incomodava, mas eu não sabia nomear. Tinha acabado de sair da casa da minha mãe, então não tinha maturidade pra entender porque o comportamento dele me constrangia, ninguém ainda enxergava um assédio", conta.
As aulas com o professor aconteceram apenas nos dois primeiros semestres do curso, portanto em 2012 Fryda já não o encontrava em sala de aula. Mesmo assim, diz que sempre se sentia constrangida quando esbarrava com Bulhões no campus, até que em 2013, quando estava no seu terceiro ano de graduação, uma nova “situação incômoda" teria acontecido.
"Estava com uma amiga e fomos para um bar que era o point dos estudantes da Unesp. Quando cheguei, vi uma mesa de professores do DCHU (Departamento de Ciências Humanas). Estavam o Bulhões, o Losnak (Célio José), o Arlindo (Rebechi Junior) e o Zeca (José Carlos Marques). Escolhemos uma mesa mais ao fundo e antes de a gente pedir e decidir o que beber, o Bulhões sentou na nossa mesa. Ele começou contar histórias de quando estava na França enquanto olhava fixamente para mim, e depois começou a falar que nunca tinha esquecido um trabalho que fiz na disciplina dele, que lembrava como se fosse ontem a primeira vez que fui na sala dele. Ele disse que eu estava de cachecol… Fui ficando assustada porque ele ia citando detalhes que eu não tinha guardado. Ao fundo, os outros professores apontavam para a nossa mesa e riam. Ele não era um cara normal que eu podia xingar e falar para sair. Eu não tinha mais aulas com ele, mas era um professor da Unesp e tinham outros professores lá", recorda.
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"Pouco depois, Bulhões disse que tinha que buscar o carro dele na Unesp, mas que era para esperarmos ele voltar para tomar um vinho na casa dele. Eu disse que esperava e ele também pediu nosso e-mail. Passei porque queria que ele fosse embora logo. Assim que saiu, nos levantamos e fomos embora correndo, desesperadas. Minha amiga me deixou em casa; eu estava super abalada. Aí um dia eu estava em casa e chegou um e-mail dele, via e-mail institucional, dizendo que foi muito bom me encontrar. Não respondi. Alguns dias depois, ele mandou outro dizendo que aquele encontro havia sido incrível porque me viu sorrir e estava pensando no meu sorriso", continua Fryda.

Neste momento, ela decidiu que se recebesse um terceiro e-mail do professor acionaria a coordenação do curso, mas a nova mensagem nunca chegou. "Não me mandou mais e-mails, mas toda vez que a gente se encontrava, tocava em mim. Teve uma vez que estava conversando com uma amiga e ele passou e puxou meu cabelo, como se tivéssemos uma intimidade que nunca dei pra ele. Já em 2015, quando eu estava me formando, uma das minhas amigas foi orientanda dele e no dia da banca ele simplesmente não parou de me olhar, ficou me secando e todo mundo percebeu. Até os pais da minha amiga perceberam e me perguntaram o que estava acontecendo."
Um ano após a entrada de Fryda no curso de jornalismo, em 2012, Thaeme*, então com 19, ingressou no mesmo curso e afirma ter sido também vítima de assédios de Bulhões. "Recebi um e-mail dele, que dizia que tinha uma proposta pra me fazer e queria que a gente se encontrasse. Achei estranho, mas acabei indo pra tal reunião, na qual ele disse que tinha gostado do meu trabalho e queria fazer uma iniciação científica. Nas reuniões seguintes, ele não falava mais sobre a iniciação. Falava sobre a família dele, que tinha alguma história na minha cidade de origem e foi ficando cada vez mais intensa a insistência em perguntar sobre a minha vida. Ele também falava sobre minhas relações pessoais na universidade e eu me sentia vigiada, porque ele sabia até de quais grupos de estudo eu participava", conta.
"Ele também insistia para marcar as reuniões à noite, apesar de ter um horário de atendimento durante a tarde, até que começou a ter comportamentos como ficar me olhando em silêncio e sorrindo, passar a mão no meu cabelo ou tentar pegar na minha mão e no meu braço. Uma vez, marcou uma reunião às 22h30 e, como acabou se estendendo, perdi o último ônibus. Ele se ofereceu para me levar para casa, mas disse que antes a gente ia lanchar. Eu achei que a gente ia na cantina e como não tinha dinheiro para pagar um táxi aceitei, mesmo receosa", continua.
Foi nessa situação que as supostas tentativas de assédio de Bulhões contra Thaeme teriam se intensificado. O professor teria dito que iria apresentar um novo lugar para a aluna e que estava animado por finalmente estarem juntos, enquanto apertava a perna dela.
"Nessa hora caiu a ficha do que estava acontecendo e fiquei paralisada. Durante o lanche, tentei ir embora várias vezes, mas ele me prendia lá e cada vez mais tentando uma aproximação que eu não queria. Ele tentava passar a mão no meu rosto e na minha boca e dizia que eu deveria entender que existem coisas que precisam ficar separadas da Unesp, que nem tudo é bom sair comentando, que eu deveria ter cuidado com o que falava e como falava. O tempo foi passando e eu aumentava a insistência em ir embora, cortava todos os assuntos e desviava de maneira mais brusca todas as vezes que ele tentava se aproximar. Ele foi ficando irritado e quando entramos no carro para ir embora, começou a ser mais claro na abordagem, falando que não me queria só como aluna, que tinha se desgastado para estar comigo, que tinha ciúmes de mim, que não gostava nem de pensar em eu fazendo outro projeto com outro professor. Toda hora eu dizia não, que não queria, que não concordava com aquilo."

Já dentro do carro, durante o trajeto, o comportamento do professor teria ficado mais agressivo. "A cada recusa, ficava mais violento no volante: acelerava o carro, freava do nada, fazia curvas fechadas e cantava pneu. Via que eu estava assustada e usava como desculpa para encostar em mim. Quando finalmente chegamos na minha casa, não queria me deixar sair do carro, ficou segurando minha mão, pedindo que eu pensasse melhor e tentando me puxar mais pra perto dele", diz Thaeme.
Depois de alguns meses do ocorrido, a universidade entrou em férias e Thaeme avisou ao professor que havia desistido da pesquisa e iria procurar outro orientador. Nesse momento, a aluna achou que estaria livre dos assédios, mas a situação teria persistido.
"Ele continuava surgindo no meio do meu caminho, não tirava o olho de mim, perguntava sobre mim para os meus colegas, mandava outro professor me entregar um recado e falava para o meu novo orientador que ele tinha me roubado dele. Cheguei a fazer as malas para ir embora e desistir da Unesp. Isso tudo afetou a minha graduação. Desisti de fazer iniciação científica, mestrado e não ficava sozinha no campus. Me afastei de várias atividades acadêmicas, por medo de encontrar com ele, de ser encurralada novamente e do que ele teria contado para outros professores. Também desisti de trabalhar com outros temas que gostava porque eram ligados à linha dele", relembra.
Também em 2012, no mesmo ano de Thaeme, Irys* ingressou no curso de jornalismo da Unesp, quando passou a ter aulas com Bulhões. Em 2013, mesmo no início da graduação, ela já começou a procurar um professor para lhe orientar em seu Trabalho de Conclusão de Curso. Como gostava de literatura, acabou procurando Bulhões para uma primeira conversa.
"Foi esquisito porque tentei marcar uma reunião para falar sobre o projeto, fui até o departamento e ele pediu para essa reunião acontecer fora da Unesp, me chamou para um café. Hoje, não consigo explicar como aceitei, mas aconteceu. Durante o café, ele pediu vinho. No final, ele estava de carro e me levou até o aeroclube da cidade. Lá, parou o carro e ficou tentando me agarrar e me beijar. Tentei me desvencilhar e gritei. Ele disse que não precisava gritar e me levou para casa. Após esse episódio, me mandou várias mensagens e até um convite para viajarmos juntos. E disse que não poderia ser meu orientador porque não ia conseguir separar as coisas. Aí entendi tudo e não quis mais fazer nenhuma reunião com ele, nunca mais respondi nem um bom dia para ele no corredor da Unesp."
Rosa* ingressou no curso de jornalismo no ano de 2013 e logo se interessou em fazer uma iniciação científica. "Como eu gostava das aulas dele, perguntei sobre a disponibilidade e ele disse para eu ir até a sala dele conversar. Fui até lá e ele deu a entender que só me orientaria se eu saísse com ele. Quando estava deixando a sala, ele puxou meu braço e tentou me beijar. Congelei e hoje tenho muita vergonha de relatar isso", diz.
"Na época eu era ingênua e imatura, não tinha discernimento o suficiente para saber que estava sendo assediada. Também não estava satisfeita com o curso porque não estava feliz, me sentia muito isolada e algum tempo depois até acabei mudando para outra universidade. Lá, tive contato com um coletivo feminista e tomei consciência de que ele era um assediador. Cheguei a excluir todos os emails e o telefone dele e desde então nunca mais tinha ouvido falar até agora, quando surgiram as novas denúncias e tomei coragem de falar."
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Em 2015, o professor teria se aproximado de Ana Carolina Moraes, então com 18 anos, oferecendo uma bolsa de iniciação científica. Ana era cotista social e precisava da bolsa para conseguir se manter na graduação. "Quando falou dessa iniciação, meus olhos brilharam, porque trabalhar com pesquisa e ainda ser remunerada por isso era uma grande oportunidade. Tivemos umas três ou quatro reuniões, mas o assunto era qualquer coisa menos a iniciação científica e a pesquisa que eu queria fazer. Para se ter uma ideia, a reunião era para falar de iniciação científica e ele me ofereceu para ser social media da banda dele que iria tocar no Sesc. Era um negócio bem aleatório, e foi em uma dessas reuniões que o assédio aconteceu", começa.
"Estava sozinha na sala dele no meio da reunião, meu telefone tocou e precisei atender. No que saí, ele foi atrás. Eu vestia uma blusa com decote em V, aí ele tocou meu busto enquanto eu falava ao telefone. Fiquei completamente sem reação e depois disso não falei mais com ele. Realmente sumi e não entendi na época o que aconteceu. Depois, recebi dois e-mails dele, um era tipo um poema falando que não tinha me visto e criou um fake no Facebook para tentar me adicionar. Já estava no final do semestre e usei meu limite de faltas para não ir mais às aulas dele. Mas só entendi o que havia acontecido em 2017 em reuniões do coletivo feminista."
Moraes ainda conta que depois de algumas dessas reuniões o professor lhe ofereceu carona, e como não sabia que se tratava de um assediador, acabou aceitando. Segundo ela, Bulhões insistia em levar a aluna até sua casa, mas com medo que ele soubesse onde era, ela pediu para ficar em uma padaria que era próxima de onde morava. "Quando parei ali, ele me ofereceu um café e enquanto comia ficava falando da vida dele e eu lembro de ficar apavorada, quando fui embora até mudei o caminho para despistá-lo."

Além do curso de jornalismo, Bulhões dava aulas para turmas de pedagogia como substituto e foi aí, no ano de 2014, que Paloma* teve aulas com ele e diz ter sofrido com "comportamentos inadequados". Durante a apresentação de um seminário, Bulhões teria passado a mão no rosto de Paloma e a chamado de linda.
"Eu estava chegando na faculdade e não podia imaginar que poderia ser assediada por um professor. Eu e meu grupo estávamos apresentando o seminário e ele sentou em cima da minha carteira. Isso já me trouxe um desconforto. Estava nervosa e com vergonha de falar em público, tudo era novidade, então já estava me sentindo vulnerável e Insegura. Quando a gente terminou e eu estava voltando para o meu lugar na primeira fileira, ele parou na minha frente, passou a mão na minha orelha e disse 'nossa, você está vermelhinha de nervosa, não precisa ficar nervosa não. Você estava linda apresentando', enquanto continuava passando a mão na minha orelha."
Paloma diz ter ficado chocada com a situação. "Fui entender que foi um assédio meses depois em uma conversa com as meninas do jornalismo.”
O ano era 2016 e Freya* havia acabado de ingressar no curso de jornalismo da Unesp. Antes de ter aulas com Bulhões, conta, entrou para o coletivo feminista, onde foi informada que o professor assediava alunas. "Me falaram que ele escolhia uma vítima. Na segunda aula que tive com ele, percebi que tinha sido eu a escolhida. Um dia no intervalo, ele veio falar comigo com um papo estranho, dizendo que tinha visto alguma coisa especial em mim, e tentou me tocar. Nessa mesma semana, entrei no meu Facebook e ele tinha curtido todas as minhas fotos e mandado um convite de amizade que nunca aceitei."
Freya recorda que o professor fazia constantes elogios, tentando uma forma de aproximação. "Dizia que eu era especial e inteligente, que queria muito que eu fizesse iniciação científica com ele, mas aí eu já sabia e não aceitei. Tudo o que haviam me alertado no coletivo foi o que ele fez."
Um ano mais tarde, em 2017, quando aconteceram as denúncias formais contra Bulhões (leia abaixo) Elizabeth* ingressou no curso de jornalismo. "Desde que entrei já me alertaram que era para tomar cuidado com um professor que assediava todo mundo, que ele mandava mensagens principalmente para as orientandas dele e abusava da sua autoridade."
Mesmo com os alertas e sem ter procurado o docente para qualquer projeto de iniciação científica, Elizabeth relata ter passado por situações desconfortáveis com Bulhões. "Eu tinha uma carona para a cidade da minha mãe e estava até com malas na aula. Ele estava passando um filme e fui avisar que tinha que sair mais cedo, aí me abaixei para não atrapalhar quem estava assistindo e falei que estava indo embora, mas tinha assistido à aula. Ele respondeu que não estava me ouvindo e pediu para eu chegar mais perto. Cheguei ao lado dele e falei de novo, quando ele começou a fazer carinhos no meu cabelo e no meu rosto e finalizou falando 'você pode tudo'."
Kimberly* entrou no curso de Relações Públicas em 2021 e logo se tornou aluna de Bulhões. Ela relata que teve oito aulas com o professor e que teria recebido alertas de veteranas. "Ouvi 'cuidado com o Bulhões'. É um comentário curioso de se ouvir porque na minha cabeça a gente não deveria ter cuidado com professores."
Apesar do cuidado, que acabou gerando um afastamento do professor, conta que sempre se sentiu desconfortável nas aulas, e que as alunas, inclusive, chegavam mais cedo para sentar ao fundo e manter distância de Bulhões. "Ele falava sobre erotismo, desejo sexual e a imagem do corpo da mulher. Eu ficava me perguntando qual era a necessidade disso. Numa aula, falou sobre um filme antigo e descreveu uma cena de sexo. Ainda encerrou dizendo que era difícil falar sobre essa cena porque sentia 'coisas' só de lembrar das cenas. Temos medo, nojo e ele não é uma pessoa que respeitamos, é uma pessoa que temos repulsa pela postura dentro da sala de aula".
No ano de 2016, situações de assédio passaram a ser mais discutidas no campus de Bauru da Unesp após o surgimento do coletivo feminista "Abre-Alas". No espaço em que as alunas se encontravam para compartilhar vivências, surgiram as primeiras denúncias formais contra Marcelo Bulhões. Ana Carolina Moraes, por exemplo, só conseguiu falar abertamente sobre o assunto dentro do coletivo. "Passei muito tempo me colocando como culpada da situação que aconteceu comigo. Até que ouvi um relato que me acendeu um alerta e depois um segundo relato, e pensei 'caramba, também sou uma vítima'. Foi difícil porque ao mesmo tempo que vem a culpa, vem a raiva porque poxa, eu tinha 18 anos", relembra.
"Muito por essa raiva que começamos a agir. Hoje, vejo que não tive apoio da Unesp, o apoio foi do "Abre-Alas", porque aquelas mulheres sim abraçaram umas às outras para levar esse processo adiante e tentar uma solução. Foi o único espaço em que encontramos segurança para falar sobre o que tinha acontecido, principalmente para alertar as meninas mais novas", continuou.
Mesmo depois que havia se formado na Unesp, Fryda recebeu, em janeiro de 2017, o contato do coletivo para falar sobre os assédios que sofreu. O "Abre-Alas" reuniu em quatro dias relatos de doze alunas e ex-alunas que dizem ter sido vítimas de Bulhões e, com o apoio da advogada Ana Carolina Canuto Minozzi, fez uma denúncia à ouvidoria da universidade no dia 29 do mesmo mês.
No mês de julho foi instaurado um "Processo de Apuração Preliminar de Natureza Simplesmente Investigativa", quando cinco das denunciantes prestaram depoimento. Durante as investigações o professor acabou sendo afastado temporariamente de suas atividades. Entretanto, a alegação da Unesp à época para o afastamento era de que Bulhões precisava cuidar de problemas de saúde, portanto, sem relação alguma com as investigações.
Posteriormente, já em 2018, foi instaurada uma sindicância administrativa. Desta vez, no mês de abril, todas as denunciantes prestaram depoimentos. Fryda, entretanto, relata que durante as investigações e antes de a sindicância ser instaurada, houve uma tentativa de silenciamento por parte de três professoras da FAAC (Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design). "Marcaram uma reunião para desmobilizar a gente ainda em fevereiro de 2017, no dia 13. Ouvimos da boca de professoras que estudam feminismo e são referências falando que a gente tinha que entender o lado dele porque era um homem muito complicado e cheio de problemas, com depressão. Também falaram que o processo seria desgastante. Aquilo para mim foi a coisa mais suja que a Unesp fez, porque colocaram três mulheres para desmobilizar mulheres."
Thaeme também era uma das denunciantes que participou da reunião e disse que sequer foram orientadas a procurar uma advogada. "Para mim, o mais revoltante dessa reunião é que tinha uma professora que era considerada a referência feminista dentro da universidade. Elas desencorajam muito falando que a gente não precisava de advogada e que talvez fosse melhor não abrir um processo, e deveríamos pensar muito bem porque o Bulhões estava com depressão. Elas também diziam que os casos não eram assédio sexual, e sim moral."

As três professoras citadas pelas denunciantes são Larissa Maués Pelúcio Silva, Caroline Kraus Luvizotto e Fernanda Henriques, que na época era vice-diretora da FAAC e atualmente é diretora. Em contato com Marie Claire, as três negaram que tenham tentado desmobilizar as denunciantes.
Henriques afirmou que teve uma conversa com as alunas antes da abertura da apuração preliminar no sentido de acolher e indicar caminhos, mas nunca com a intenção de desmobilizar a movimentação. "Como mulher e feminista, jamais tentaria desmobilizar qualquer ação nesse sentido. Sugeri também que procurassem se organizar com algum advogado, tudo no sentido de protegê-las. Como qualquer mulher, já sofri assédio e abuso e esse assunto é uma dor para mim também."
Luvizotto, que atualmente faz parte do Conselho de Curso de Relações Públicas, disse que seu tom foi de acolhimento na referida reunião. "Nosso objetivo foi ouvir as alunas, acolhê-las e orientá-las e fizemos isso de coração aberto e livre e espontânea vontade, por compreender que nossas alunas precisavam de ajuda. Tenho plena segurança em afirmar que não houve tentativa de preservar a imagem do docente ou da instituição, pois defendemos que todo caso de assédio, discriminação e preconceito, deve ser denunciado e investigado."
A professora Pelúcio foi no mesmo sentido de suas colegas, comentando que a intenção da reunião foi de indicar caminhos para que as denúncias pudessem ser levadas adiante. "Todas nós achamos fundamental e imprescindível que se faça essa apuração, pois desde que conversamos com as estudantes naquele encontro, não tivemos dúvida da gravidade do que se passava. A reunião foi emocional, mas foi também, e principalmente, no sentido de orientá-las quanto aos passos necessários para se abrir um processo e sobre situações que poderiam ser constrangedoras derivadas dessas ações. Mas em nenhum momento houve qualquer intenção de nossa parte em dissuadi-las a levar o caso adiante. Isso seria contrário às nossas convicções, ao tipo de universidade que a gente quer, às nossas biografias."
Após a sindicância interna que foi finalizada no início de 2019, o professor Marcelo Bulhões foi realocado do curso de Jornalismo para o curso de Relações Públicas. O processo, entretanto, acabou sendo arquivado e a Unesp afirmou que levaria algumas recomendações para Bulhões para "que captasse as mudanças sociais e comportamentais da sociedade, para a devida adequação no ambiente de trabalho, abandonando eventuais atitudes ambíguas de tratamento pessoal com os alunos". Ele, portanto, não sofreu nenhuma penalização e continuou dando aulas na universidade.
Depois que o processo foi arquivado, a advogada Minozzi explica que a ação não foi judicializada nas esferas civil ou criminal por conta do tempo de prescrição do crime de assédio sexual, que é de quatro anos na criminal e três na civil. "O problema é que muitas delas já tinham passado do prazo e só uma delas poderia entrar com a ação no penal. No criminal, apesar do prazo maior, muitas delas já tinham passado, acho que apenas uma estava dentro desse prazo. A grande preocupação delas na época era que isso parasse de acontecer e ele já havia sido afastado, não sabíamos que ele ia voltar", explica.
Após os cartazes serem expostos no campus na manhã da sexta-feira (1), o Centro Acadêmico de Comunicação Florestan Fernandes (CACOFF), com o apoio da Associação Altética Acadêmica Unesp Bauru, do Coletivo Feminista AYA, do Coletivo Negro Afronte Unesp e do Centro Acadêmico Paulo Freire (CAPF), organizaram uma manifestação na noite do mesmo dia.
De acordo com Luiz Davi Alves Castilho, presidente interino do CACOFF, cerca de 150 alunos participaram da ação que começou em frente à sala onde aconteceria a aula de Bulhões naquela noite. No local, alunas se pronunciaram junto ao movimento feminista antes de os alunos seguirem ocupando os demais espaços da universidade enquanto gritavam frases como "assédio aqui não". O ponto final da manifestação foi na cantina da Faculdade de Engenharia de Bauru (FEB), ainda dentro da universidade, onde alunas continuaram a compartilhar seus relatos.

Em entrevista à Marie Claire, Castilho apontou para um descaso da Unesp diante dos fatos, uma vez que o professor continua dando aulas. "Essa questão do assédio demonstrou que a universidade não estava preocupada com a gente, porque apesar das provas o processo foi encerrado e eu, inclusive, ainda tenho aula com ele toda sexta-feira."
Além das manifestações, os alunos criaram uma petição pedindo pela exoneração do professor. Até a data desta publicação a petição já conta com mais de 7.500 assinaturas.
Ainda na sexta-feira, antes de as manifestações acontecerem, o docente enviou um email para seus alunos do primeiro ano do curso de Relações Públicas dizendo-se chocado diante de uma "situação absurda" com cartazes que foram "anonimamente forjados".

Na terça-feira (5) três alunas do curso de Relações Públicas da Unesp foram até a Delegacia de Defesa da Mulher de Bauru acompanhadas da deputada estadual Isa Penna (PCdoB) e da presidente do Conselho Municipal de Políticas para Mulheres, Glória Lima dos Reis, para registrar boletim de ocorrência por importunação sexual contra Marcelo Bulhões.
De acordo com o Código Penal o crime de importunação sexual se configura quando há prática de ato libidinoso (de caráter sexual) na presença de alguém, sem sua autorização e com a intenção de satisfazer lascívia (prazer sexual) próprio ou de outra pessoa.
Marie Claire tentou contato com duas das alunas que registraram o boletim de ocorrência ao lado de Isa Penna, mas elas preferiram não se manifestar.
Na segunda-feira (4), após a manifestação dos alunos e de toda a repercussão das acusações de assédio nas redes sociais, a Unesp abriu uma nova sindicância independente para investigar as denúncias feitas pelas alunas. A diretora da FAAC, Fernanda Henriques, afirmou à Marie Claire que a ouvidoria está preparada para acolher, inclusive de forma anônima, novas denúncias. "A assessoria jurídica está nos dando pleno amparo e esperamos que haja celeridade nas apurações e encaminhamentos."
Henriques ainda disse que a comissão instalada para apurar o caso terá total independência e, apesar de não terem sido registradas novas denúncias até o momento, a sindicância irá avaliar os cartazes, junto aos laudos anteriores, em um prazo legal de 60 dias, que pode ser prorrogado.
Em nota, a assessoria da FAAC ainda afirmou que a medida tomada faz parte do protocolo institucional de atendimento às vítimas de violência sexual e poderá resultar na instauração de um processo disciplinar, com as devidas punições previstas na legislação.

Já na quarta-feira (6), após o registro dos primeiros boletins de ocorrência por importunação sexual contra Marcelo Bulhões, a Unesp anunciou o afastamento do professor pelo período de 180 dias. O pedido foi feito a pedido da Comissão de Sindicância que foi instituída para investigar o caso e o período de afastamento é prorrogável uma única vez por igual período.
De acordo com a Comissão de Sindicância, a decisão pelo afastamento foi decidida após ampla discussão sobre os fatos e avaliação dos documentos que instruem o processo e também visa garantir ao professor o direito ao contraditório e ao princípio de presunção de inocência.
Marie Claire entrou em contato com o professor Marcelo Bulhões, que negou as acusações e afirmou estar sendo vítima de calúnia. Ele, inclusive, encaminhou à reportagem uma nota com o mesmo texto que foi enviado para seus alunos de Relações Públicas.
"Foi com estarrecimento que fiquei sabendo que cartazes falsos, forjados, foram afixados no campus com teor acusatório a mim. Estou ainda chocado.
De modo semelhante, foi com enorme e desagradável surpresa que em 2019, em postagem no Facebook, recebi uma acusação de assédio. Naquela altura, ao tomar conhecimento que um coletivo da Unesp havia feito acusações com esse teor, solicitei uma reunião com o grupo de alunas. Elas recusaram o diálogo. Solicitei essa reunião por, naquela altura, estar totalmente perplexo diante das acusações. Uma comissão de sindicância foi, então, constituída pela FAAC – Unesp. Após um processo de investigação, o arquivamento do processo se fez precisamente por afiançar que nenhuma ação do teor de assédio foi por mim cometida. No curso do processo, aliás, recebi depoimentos de incondicional apoio e elogio ao meu profissionalismo, escrito por dezenas de alunas que foram minhas orientandas (mestrado, doutorado e iniciação científica). Portanto, só posso afirmar que estou absolutamente estarrecido diante de uma situação que julgo absurda. Os cartazes, aliás, foram anonimamente forjados e afixados no campus.
Sou docente da Unesp desde 1994, ou seja, trata-se de 28 anos de trabalho em sala de aula, tendo atuado ao lado de milhares de alunos, sem que qualquer mínimo indício concreto do que se pode ser classificado como assédio possa ser apontado.
Atingem-me do modo mais vil.
Entendo que legítimas e importantes demandas da atualidade – luta contra o racismo, movimento feminista – têm produzido uma mobilização de empatia diante de causas de enorme relevo. Nesse caso, todavia, estou sendo vítima de calúnia, cuja propagação em tempos digitais é implacável."
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* Os nomes foram alterados a pedido das entrevistadas