Uma das primeiras brasileiras a ganhar um processo sobre pornografia de revanche, tipo de crime cometido por homens que expõem fotos íntimas de suas namoradas na rede inconformados com o término do namoro, a jornalista Rose Leonel sabe dos danos que podem ser causados às vítimas desses ataques.
“Quando você sofre um crime de internet, sofre três dores: a da traição da pessoa que você amava, a vergonha da exposição e a dor da punição social”, disse a jornalista, que relatou o crime de que foi vítima na abertura do painel “Cyber vinagança: a violência contra a mulher na rede social”, que encerrou o Fórum Fale sem Medo, realizado pelo Instituto Avon.
Rose era colunista social e comandava um programa de televisão em Maringá, no Paraná, quando sofreu o ataque do ex-namorado, em 2005, dois meses após o término. O e-mail com fotos íntimas da jornalista e montagens foi enviado a cerca de 15 mil destinatários, entre colegas de trabalho, familiares e outros contatos. Virou o assunto da cidade.
Além de perder o emprego, a jornalista viu o filho, na época pré-adolescente, deixar o país em consequência do caso e a filha mudar constantemente de escola. Desde então, também não conseguiu voltar a trabalhar e fundou a ONG Marias da Internet para dar apoio a vítimas do mesmo tipo de crime.
Ao todo, ela moveu quatro processos na Justiça contra o ex. Em junho de 2010, o ex-namorado de Rose foi condenado a cumprir pena de um ano, 11 meses e 20 dias de detenção e, durante esse tempo, teria de entregar R$ 1,2 mil mensais à ex-namorada. Em outra ação, foi condenado a pagar R$ 30 mil de indenização por danos morais, mas Rose recorreu. “Esse valor é praticamente o que gastei de custos com os processos”, disse.
Para a jornalista, o pior foi constatar que as vítimas deste tipo de crime também são responsabilizadas pela maioria das pessoas. “O agressor ainda é poupado pela sociedade machista”, afirma.
JULGADAS PELA SEXUALIDADE
Uma das debatedoras do painel, que foi mediado pela editora de capa de Marie Claire, Dolores Orosco, a professora de direito da FGV Marta Rodriguez Machado disse que a responsabilização da vítima ocorre porque este tipo de comportamento dos agressores ainda não é visto como violência.
“Quando esses vídeos caem na internet, a mulher é culpada porque ela tem sua sexualidade revelada –e há um julgamento natural da mulher que tem sexualidade pela nossa sociedade patriarcal. Muitas mulheres mudam de cidade e até se suicidam”, disse.
Especialista no tema da violência contra a mulher na web, a antropóloga Beatriz Accioly, da USP, destacou a ligação entre as novas formas de violência com outros tipos de agressão já sofridas pelas mulheres no dia a dia.
“A história da Rose nos afeta não só porque o ex-companheiro dela fez isso, mas porque todas as pessoas que receberam [os e-mails com fotos íntimas] a condenaram também do ponto de vista moral”, afirmou.
PENAS BRANDAS
Para o promotor de justiça Mario Higuchi, titular da Coordenadoria de Combate aos Crimes Cibernéticos do Ministério Público de Minas Gerais, criticou o baixo valor das multas aplicadas pela justiça e das penas brandas, já que a maioria dos casos ainda são enquadrados na esfera dos crimes contra a honra.
“Na pornografia de revanche, a honra da vítima é atingida, mas como fica a saúde dela? Muitas mulheres se afastam do trabalho, da família, têm sua saúde mental arrasada”, lembrou ele, que defende que os casos também sejam enquadrados como lesão corporal, já que as vítimas acabam sofrendo de problemas psíquicos – cujas penas podem chegar a até 3 anos.
PESQUISA
Realizado pelo segundo ano, a programação do evento contou com outros dois painéis, que discutiram temas como a violência doméstica entre os jovens e o direito ao controle. Na abertura, o Instituto Avon, em parceria com o Data Popular, divulgou uma pesquisa inédita que mostrou que 78% das jovens admitiram já ter sofrido algum tipo de assédio em locais públicos e 68% delas disseram receber cantadas consideradas ofensivas, violentas ou desrespeitosas.