Quem vê a dona de casa e mãe de cinco filhos Gabriella Gillespie, 50 anos, pelas ruas de Bristol, na Inglaterra, não desconfia a história de terror que a inglesa, filha de mãe britânica e pai iemenita, viveu durante parte da infância e adolescência. Após 20 anos, ela resolveu revelar, no lviro de memórias "A Father's Betrayal" ("Uma traição paterna", sem tradução), ter sofrido com a violência do pai, que a vendeu como esposa aos 13 anos, e ter escapado de um ex-marido viciado em drogas e igualmente agressivo.
“Eu preciso começar a falar sobre o que aconteceu para que coisas assim não aconteçam de novo”, disse a inglesa ao Daily Mail. Gabriella nasceu em Newport, em uma família de sete irmãos, e diz que os primeiros anos de sua infância foram felizes. Tudo mudou, ela lembra, quando a mãe Mary foi morta pelo pai, o emenita Ali Abdulla Saleh Yafai, quando ela tinha apenas 6 anos.
Yafai contou aos filhos que a mãe teria ido visitar parentes e, três dias depois, denunciou seu desaparecimento. Ele foi preso após três anos e Gabriella e suas irmãs foram colocadas em um orfanato e foram adotadas por um casal. Condenado a seis anos de prisão, o pai conseguiu reaver a guarda das filhas após cumprir a pena – apenas a mais velha, Ablah, acreditou que o pai havia de fato matado a mãe, cujo corpo nunca foi encontrado.
Apesar dos esforços do casal para manter a guarda das irmãs, Gabriella, à época com 12 anos, lembra que não entendia direito o que havia acontecido à mãe e sentia falta do pai. O período de volta à casa dos pais não durou muito. No ano seguinte, Yafai decidiu levar as irmãs numa viagem ao Iêmen. No país, o pai colocou em prática seu plano de forçar as filhas a se casarem com homens mais velhos em troca de dinheiro.
A primeira foi Yasmin, de 14 anos, obrigada a casar com um homem que tinha o triplo de sua idade. A irmã chegou a ser rejeitada pelo marido após tentar se matar com uma overdose de comprimidos, mas acabou se recuperando e voltando para o casamento forçado. Já Ismahan, de 15, prometida a um homem de 60 anos que já tinha uma família, se suicidou seis meses depois saltando do teto do prédio onde iria viver com a família, no dia da cerimônia.
Prevendo que seu destino não seria diferente, Gabriella resolveu ela mesma escolher um marido, e se aproximou de um jovem chamado Mana, encorajando-o a pedir ao pai sua mãe em casamento. Aos 13 anos, ela ficou noiva pela primeira vez de um jovem de 18 anos. No entanto, apenas um mês e meio após o casamento, Mana morreu de maneira misteriosa, após dois dias “vomitando sangue”. De volta à casa do pai, ela foi prometida a outro homem de 18 anos, dessa vez de uma família rica.
Em pouco tempo, Gabriella estaria casada e grávida aos 14 anos. Morando com a família do marido, que passava longos períodos trabalhando na África, ela vivia a vida típica das mulheres iemenitas na época: cozinhava para toda a família num fogão de barro, cuidava dos animais, trabalhava longas horas na lavoura, mesmo grávida. “Foi extremamente difícil me adaptar à nova cultura, principalmente tendo crescido na Inglaterra e sem saber uma palavra em árabe”, lembra.
O casamento produziu cinco filhos: Taz, hoje com 34 anos, Justina, 32, Adam, 29, Sandy, 28 e Luke, 26. O que ela não esperava era que a vida pioraria muito ao ser mandada para viver com o marido, na República Centro-africana. Ao chegar ao país, Gabriella descobriu que ele havia se tornado viciado em drogas e gastado todo o dinheiro do pai. “Ele me estuprou e me bateu inúmeras vezes. Ele dizia que era direito dele fazer isso”, conta.
A inglesa aguentou a violência do marido por 17 anos, até que ele anunciou que iria vender a filha Justina a um marido para pagar dívidas. Gabriella então decidiu voltar ao Iêmen com os filhos. Lá, encontrou o pai furioso pelo fim do casamento e passou a ser alvo, junto com os filhos, de novas ameaças.
Após ver o pai agredir o próprio neto de 2 anos e ser ameaçada com uma arma de fogo, Gabriella novamente fugiu. “Esperei todos dormirem, peguei meus cinco filhos e andei quilômetros até uma estrada, onde peguei carona até a casa da minha irmã”, recorda. De lá, ela procurou a embaixada inglesa, onde conseguiu finalmente ser repatriada junto com os filhos. Gabriella tinha, então, 29 anos.
Mesmo após viver os últimos 20 anos feliz ao lado dos filhos, Gabriella diz ainda ser perseguida pelo que passou. “Isso sempre fará parte do que eu fui, mas não sou mais aquela menina. Sei que sou uma pessoa mais forte e espero poder mostrar a outras garotas que, não importa o quanto demore, não importa o quanto você sofra, as coisas podem mudar se você se mantiver firme.”