Nas últimas semanas, o presidente Barack Obama lançou uma campanha contra a violência sexual nos Estados Unidos. Com o lema “1 is 2 many”, um trocadilho com o numeral 2 e a palavra “too”, que em português significa algo como “um é demais”, a iniciativa visa desestimular jovens americanos de abusar de universitárias.
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Em um vídeo veiculado na televisão e nos cinemas, Obama se une a galãs como os atores Daniel Craig (de James Bond) e Benicio Del Toro (de Che) com a seguinte mensagem de alerta: “Se ela não consentiu ou não pode consentir, é estupro”. A campanha também incentiva os rapazes a denunciar atitudes suspeitas e repensar a visão de que uma garota alcoolizada não merece proteção. “Se eu visse [o abuso] acontecendo, não a culparia. Eu a ajudaria”, diz Craig.
Dados do governo americano revelam que há uma epidemia de agressões sexuais nas universidades: uma em cada cinco estudantes são molestadas antes de concluírem seus cursos. Elas são vítimas do chamado “ date rape” (ficada-estupro, em uma tradução aproximada), cometido por flertes ou amigos em festas e encontros. Nesses episódios, as meninas costumam estar inconscientes porque beberam demais ou porque foram dopadas com drogas como o flunitrazepam, que induz o sono de forma rápida e é conhecido como “Boa noite, Cinderela”.
No Brasil, onde o golpe também é aplicado, essa triste realidade não é muito diferente. Além dos abusos cometidos em festas universitárias, estupros praticados por pessoas próximas da vítima são os que mais acometem mulheres e meninas, segundo o Mapa da Violência, realizado pelo Instituto Sangari e divulgado com exclusividade por Marie Claire.
O amplo levantamento mostrou que 57% desses crimes são cometidos por amigos ou parentes. Na infância e na adolescência, conhecidos das meninas são os principais vilões, superando pais e padrastos no ranking dos crimes sexuais infantis, sendo responsáveis por 25,8% dos casos. Na vida adulta, a parcela de conhecidos que mais viola mulheres são os amigos: 16,6% do total. Ex-parceiros vêm logo em seguida. Um detalhamento mais profundo revela ainda que, em 57% dos casos, o abuso acontece na casa das próprias vítimas.
Especialistas ressalvam que esse número pode ser ainda maior. Muitas mulheres estupradas por pessoas com quem possuem algum tipo de ligação, principalmente afetiva, têm receio de denunciar o abuso. “A maior preocupação das abusadas é saber se vão acreditar em suas palavras. Elas sabem que vão ouvir coisas do tipo: ‘O cara é teu amigo, você aceitou carona’”, afirma a delegada Rosmary Corrêa, presidente do Conselho da Condição Feminina de São Paulo. “Quando há marcas decorrentes do uso da força, é mais fácil ir à polícia. Mas, sem esses vestígios, as pessoas questionam a denúncia”, diz.
Os depoimentos de Aurora*, que tinha 17 anos quando o estuprador rompeu seu hímen, e de Rafaela*, 23, que se recupera de uma hemorragia e de um corte de 10 centímetros na vagina causados pelo ataque sofrido há seis meses em sua casa, mostram isso. Elas não partilham apenas as marcas físicas e as lembranças das cenas de horror. Dividem também a dor de terem sido abusadas por homens de quem eram próximas, amigos e mentores com quem dividiam seus segredos, intimidades e, pior, a quem dedicavam confiança e afeto.
*Colaborou Ana Becker