Foi para ficar junto de sua namorada que o australiano Oliver Percovich desembarcou em 2007 na capital afegã Cabul. Em busca de emprego, depois de perambular por Austrália, Japão, Hungria e Marrocos, o jovem resolveu tentar a sorte no país, um dos mais pobres do mundo, onde a companheira havia fixado residência. Levou na bagagem seus inseparáveis skates sem saber que as três pranchas promoveriam uma pequena revolução entre os jovens.
Assim que começou a deslizar sobre rodinhas pela cidade, Oliver se viu cercado de olhares curiosos, muitos dos quais nunca haviam visto um skate. Não demorou até que estivesse dando aulas nas ruas, embrião do que viria a ser o Skateistan, organização não-governamental que usa o esporte como instrumento para educar cerca de mil jovens espalhados por Afeganistão, Camboja e África do Sul.
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“Quando cheguei, pensei que a coisa certa a ser feita era algo que fosse efetivo e que envolvesse os próprios afegãos porque quase todos os projetos liderados por estrangeiros duravam um ou dois anos e, quando o dinheiro acabava, o projeto parava”, lembra o fundador e diretor-executivo da organização em entrevista à Marie Claire, de Cabul. A cidade abriga a sede do Skateistan, um prédio erguido num terreno de mais de 5 mil metros quadrados doado pelo Comitê Olímpico afegão com a ajuda de diversas entidades.
Num país em que 70% da população tem menos de 25 anos, cindido por conflitos étnicos, o projeto reúne crianças e jovens de 5 a 25 anos, de diferentes origens e classes sociais. Eles aprendem não apenas as manobras do esporte, mas têm aulas regulares e de reforço, além de oficinas de liderança, entre outras atividades. Para Oliver, o maior desafio foi convencer a população da utilidade de uma organização que oferecia mudança social por meio do esporte em vez das convencionais ajudas humanitárias com doação de dinheiro, medicamentos, roupas.
“A abordagem usando o skate tem construído confiança e, quando se tem confiança, problemas como insegurança, ausência de leis ou de saúde e educação ficam mais fáceis de resolver”, acredita. Desde 2001, quando o país foi ocupado por forças militares da Otan lideradas pelos Estados Unidos após os atentados do 11 de Setembro, estima-se que mais de US$ 660 bilhões tenham sido gastos no combate ao Talibã e outros grupos insurgentes.
Mulheres
Ainda no início, chamou a atenção dos fundadores da ONG a expressiva participação de mulheres nas aulas de skate. Com capacetes sobre o véu que cobre praticamente todas as afegãs, elas subverteram costumes no país onde não podem dirigir, poucas ainda trabalham e apenas 20% freqüentam escolas regularmente –nos anos sob o governo do Talibã, esse número não chegava a 5%.
“As primeiras eram estrangeiras, mas como eu nunca tinha visto mulheres praticando esportes em público aqui, imagino que a ideia foi se espalhando mais e mais ao ponto de hoje o skate ser o esporte feminino mais praticado no país. Temos cerca de 300 garotas praticando regularmente, o que é mais do que qualquer outra modalidade”, conta Oliver. A quebra de paradigma se deu pacificamente, ele diz, exatamente porque para muitos pais o skate era algo tão novo que "ninguém ainda tinha tido a chance de dizer que era inapropriado para mulheres". “Diferente de outros países, muitas pessoas aqui consideram até o skate um esporte de meninas.”
Outro fator que contribuiu com a aceitação, acredita Oliver, é que os professores não incentivam os alunos a aderirem a uma cultura skate comum no mundo ocidental –o que talvez tivesse afastado os praticantes de famílias mais conservadoras. Nas dependências do Skateistan, não há vídeos, revistas, roupas ou música que identifiquem o universo dos adeptos do esporte.
Um dos rostos mais emblemáticos das skatistas afegãs, a estudante Madina Sayd, de 16 anos, foi uma das primeiras alunas e é hoje professora e uma espécie de porta-voz da organização. “Mais do que qualquer coisa, eu sou uma sobrevivente. Como resumir em alguns minutos todos os esforços de milhões de meninas e jovens mulheres ao redor do mundo para freqüentar uma escola, para adquirir o mínimo conhecimento diante de enormes dificuldades?”, disse a adolescente na abertura de sua fala em fórum promovido pelas Nações Unidas em abril em Medelín, na Colômbia. Foi a primeira vez que ela saiu do Afeganistão.
Assim como no caso de Madina, Oliver acredita que qualquer que seja o projeto que se comprometa com um futuro mais promissor para o povo afegão passa pelos jovens. “Meu argumento é que, nas aulas de skate, crianças de diferentes classes sociais e etnias aprendem juntas, elas não discutem entre si. Isso é essencialmente a ideia que queremos espalhar com essa iniciativa: a de que os cidadãos de qualquer país podem ser responsáveis e trabalhar juntos para resolver seus problemas.”