“Comecei a trabalhar aos 14 anos porque queria dar às minhas filhas o que não tive: uma educação de qualidade e conforto. Eu mesma só cursei até a 4ª série do Ensino Fundamental. Parei porque precisava me sustentar. Sou a quarta filha de migrantes que vieram de Santa Rita, na Paraíba. Meus pais queriam melhorar de vida. Éramos em sete irmãos e dormíamos todos num único quarto, sem porta e cheio de beliches, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Minha mãe, Geralda, hoje com 77 anos, estudou só até o Primário e sempre foi do lar. Meu pai, Manuel, apesar de analfabeto, semeou em nós a vontade de vencer. Era um batalhador. Foi de aprendiz de mecânico a dono de padaria e farmácia. Morreu aos 72 anos, de câncer. Ele sempre me dizia: ‘tudo o que você quiser, você pode, desde que deseje com a alma, e que esteja alinhado com o que é bom e honesto.’ Hoje, aos 53 anos, vejo que as palavras dele guiaram a minha vida.
Tinha 22 anos quando decidi que me tornaria uma empreendedora da área da beleza. A essa altura eu já atuava como assistente de cabeleireiro e essa era uma ideia fixa. Pegava um pedaço de papel e desenhava projetos de como seria meu salão. Comecei a me preparar, psicológica e profissionalmente, para me tornar essa pessoa. Apesar de ter parado de estudar muito cedo, sempre li muito sobre liderança e administração. Meus livros de cabeceira são "O Monge e o Executivo", de James Hunter, "O Monge que Vendeu sua Ferrari", de Robin Sharma, e "Mentes Brilhantes", de Alberto Dell’Isola.
Meu primeiro emprego foi num salão em Ipanema. Eu e minha irmã, Vanda, fomos indicadas por uma amiga da minha avó paterna. Eu tinha 14, ela 18 anos. Arrumei a minha mala com alguns pertences e saí de casa chorando, pois sabia que só voltaria no domingo seguinte. Não tínhamos auxílio transporte. Eu e Vanda servíamos café, fazíamos a faxina e dormíamos ali mesmo. Acordávamos às 7h e íamos descansar só às 2h da manhã. Nem carteira de trabalho eu tinha. Me sentia escravizada, chorava, mas nunca me fiz de vítima. Tinha fé e sabia que minha vida ia mudar. Minha irmã trabalhou lá por muitos anos, em péssimas condições, e chegou a levar um tapa da proprietária. Eu fiquei três meses, até conseguir sair para virar assistente de um cabeleireiro, o Francisco, em Copacabana. Mas eu era tão inexperiente que um dia ele ficou irritado e gritou: ‘Sai de perto de mim, você só serve para descascar batatas em casa de madame.’ O salão estava cheio e chorei na frente de todo mundo. O engraçado é que, há alguns anos, reencontrei o Francisco. Ele me disse: ‘Zê, soube que seu salão vai muito bem’. Respondi: ‘É, eu aprendi a descascar batatas!’ [risos]. Mas, depois daquela humilhação, uma ex-cliente me indicou para a vaga de assistente de cabeleireiro do Aloísio Almeida, no salão J. Assis, que funcionava no Hotel Meridien, em Copacabana. Eram os anos 80, época em que me casei. Meu primeiro marido, o João Batista, era motorista e também batalhava muito. Tivemos duas filhas, Ingrid e Isadora, e uma vizinha de minha mãe me ajudou a criá-las enquanto eu passava o dia trabalhando duro no salão. Para chegar a Copacabana às 8h, eu pegava o trem às 4h45, em Belford Roxo. E muitas vezes saía à meia-noite, mas feliz. Mal via minha família, mas perseguia meus sonhos: ‘Vou trabalhar para comprar meu carro e ter meu salão de beleza em breve.’
Aloísio atendia a alta sociedade, como Lily Marinho e Madeleine Saade. Admirava o seu talento, mas ele era hipertemperamental e não tinha paciência para me ensinar nada. Mas eu queria tanto aprender que consegui fazer isso olhando seu trabalho e pesquisando incessantemente em revistas e livros.
Tudo mudou em 13 de agosto de 1989. Não consigo esquecer essa data. Aloísio se matou. Uma tragédia! Na véspera, um sábado, ele me chamou depois do expediente e fez algo que nunca havia feito antes, me deu um abraço e disse: ‘Obrigado por tudo o que você faz por mim.’ Fiquei meio assustada, pois não era costume dele. Mal sabia que seria a última vez que o veria. Na segunda-feira, o gerente me contou sobre o suicídio. Ninguém soube o motivo. Aloísio não deixou carta, nada. Havia suspeitas de que ele era portador do vírus HIV. Ele era gay e viciado em cocaína. Na época, Aids era sinônimo de morte, pois não havia tratamento. Fiz questão de ir ao velório e enterro, em Minas Gerais. Na volta, resolvi pedir as contas, porque acreditava que não havia chance de mudar de função. Mas um dos sócios do negócio, Jorge Kur, me disse: ‘Você não vai embora, acreditamos no seu potencial.’ Naquela hora, fui invadida por uma mistura de sentimentos. Fiquei com muito medo de ser cabeleireira. Temia as comparações. Mas, ao mesmo tempo, queria agarrar aquela chance com todas as minhas forças.
Minha cliente de estreia foi Rebeca Maiolino, dona da rede Laboratório Maiolino. Era a primeira vez que cortava o cabelo de alguém. Quando acabei, tremia dos pés à cabeça, mas ficou lindo. Os sócios me aplaudiram! Minha agenda começou a lotar. Até ganhei minha própria assistente! Fiquei no Meridien mais três anos. Nesse meio tempo, me separei, após um casamento de 18 anos. Foi um desgaste natural. Eram muitos anos juntos. Estava feliz no trabalho, mas depois de um tempo, comecei a sentir falta de um namorado. Um dia, resolvi me inscrever num site de encontros. Eu não tinha coragem de fazer contato com ninguém, mas quando vi o perfil do Vanderlei, pensei: ‘Vou me casar com ele.’ Foi uma espécie de visão. Ele era divorciado, tinha 54 anos e um filho de 7. Depois de três meses trocando mensagens, tomei coragem e marquei um encontro num shopping em Nova Iguaçu. Começamos a namorar e, em janeiro de 2009, nos casamos. Estou realizada na parte afetiva. Vanderlei é uma pessoa especial e muitas vezes me ajudou, seja investindo no meu negócio, seja dando uma consultoria relativa aos contratos, pois ele é advogado. Mas, voltando à trajetória profissional... enquanto ainda estava no Meridien, no final de 1991, fui convidada para integrar a equipe do salão Par Coeur, no Shopping Fashion Mall, cuja sócia era Lily Marinho, mulher do empresário Roberto Marinho. A empreitada só durou seis meses pois os sócios se desentenderam. Ainda trabalhei em outro salão da dona Lily, em Copacabana. Mas um detalhe emperrava meus planos. Minha origem humilde se refletia numa timidez que, na verdade, era complexo de inferioridade. Eu não sabia sequer agradecer um elogio. Até que uma cliente me disse: ‘Você é excelente profissional, mas se não cuidar dessa timidez, ela vai atrapalhar sua carreira.’ Naquele dia, nem consegui dormir. Para me soltar, passei a fazer discursos e ler livros de autoajuda em frente ao espelho. Esse exercício me ajudou, mas só passei a me aceitar de verdade quando procurei uma psicóloga, há cinco anos.
Lembro que, nas primeiras sessões, eu só falava mal de mim. A terapeuta me disse que aquele discurso negativo refletia uma autocrítica severa. O tratamento me libertou. Fui adquirindo respeito próprio e dos outros, provando para mim mesma meu valor. Parei de me cobrar e exigir tanto.
Em 2003, fui contratada por um salão no Shopping da Gávea, onde fiquei por cinco anos. A essa altura, o sonho de ter um negócio próprio já estava enraizado. Eu cuidava desse salão como se fosse meu, fazia bolo e levava para as clientes, comprava xícaras de porcelana por minha conta. Mas queria fazer isso na minha própria empresa. Em 2010, soube de uma loja vaga nesse mesmo shopping que pertencia à minha chefe. Lá havia funcionado um salão infantil, por isso já tinha muitos equipamentos. Propus negócio e ela topou. Dei 50% do valor pedido, e o restante pagaria em parcelas. Mas, em seguida, ela se arrependeu. Acho que temia a concorrência. Meu marido me orientou e argumentei que a rescisão do contrato geraria uma multa e a devolução do valor já pago. Contrariada, ela desistiu da ideia. Mas no dia da inauguração do Z Coiffeur, abri o salão e não havia equipamentos nem móveis. Ela tinha retirado tudo! Tive de fazer das tripas coração e improvisei uma mobília, mas tive medo que a clientela não confiasse mais em mim. Fui chorar no banheiro e pensei em reclamar, pois aquilo significava uma quebra de contrato, mas meu marido me aconselhou a seguir em frente e foi o que fiz. Com trabalho duro (e móveis novos), em seis meses as clientes passaram a reclamar que o espaço estava... pequeno! Procurei a administração do Shopping e fechei um contrato de locação onde antes estava instalada uma grande livraria.
Prometi a mim mesma que faria do meu negócio uma referência no bairro da Gávea e cumpri essa meta em três anos. Comecei com doze funcionários, hoje tenho quarenta e até duas mil clientes por mês. Já são 33 anos de carreira. Tenho uma cliente de 96 nos que me acompanha há 26. As netas dela vêm ao meu salão. O nome disso é confiança e sei que com essa dedicação às clientes eu vou crescer muito mais. Hoje, tenho até apoio extra: Ingrid, minha filha mais velha, é advogada, mas trabalha como gerente no salão. A caçula, Isadora, estuda Direito, fala francês e inglês, e está fazendo um intercâmbio no exterior. Não guardo mágoas pelo fato de não ter recebido uma educação formal, porém fico muito feliz de ter conseguido dar ótima formação às meninas.
Acredito que o espírito de liderança já nasce com a gente. Sinto orgulho de minha história e ela me ensinou a lidar também com os funcionários. Sempre achei difícil demitir, mas foi necessário aprender isso. Faz parte da profissionalização. Tento incentivar as pessoas e conversar, mas se vejo que não dá certo, dispenso sem culpas. Eu herdei os valores familiares e sei que minha mãe se orgulha de mim. Muitos me perguntam por que não mudo para a Zona Sul, onde estão as clientes. Eu amo Nova Iguaçu, mesmo tendo de percorrer 110 km para ir e vir do trabalho. Quando vejo minha casa linda, construída por mim, me sinto confortável. E ali estão minha família e amigos, minha base afetiva.”