Dentro do gigantesco Grand Palais, sempre cenário dos desfiles da Chanel, Karl Lagerfeld montou corredores, prateleiras e gôndolas lotados com produtos como Jambon Cambon (uma brincadeira entre a palavra presunto e a rua original da maison), cereal Coco Flakes, Lait de Coco e amaciante em galões pretos destinados a lavar os casaquetos pretos que são marca registrada da casa (as caixas, pena, estavam vazias).
Nesse cenário do supermercado Chanel, os convidados se divertiram tirando fotos com os carrinhos vermelhos e nunca desejaram tanto na vida carregar uma cesta - a do supermarché Chanel tem alças idênticas às da bolsa 2.55, com couro entrelaçado por metal.
Entre os corredores, as modelos se intercalaram entre os passos apressados típicos de qualquer passarela e os mais demorados, das compradoras que empurram carrinhos e escolhem os produtos . Na cabeça de Lagerfeld, as mulheres modernas podem, sim, fazer tarefas prosaicas em alto estilo. Mais velho entre os estilistas em plena atividade - e o mais profícuo -, Lagerfeld mostra que está com o dedo no pulso, ligado no aqui e agora.
Ele assimila o que está nas ruas, filtra e mostra como a vida e o armário podem ser mais belos, bem acabados e comerciais, sem fantasia. Na lista de compras, o número 1 é o tweed, irresistível nas versões calça e casaco (no lugar do esperado tailleur) - na modelagem oversized, monocromática e usada com tênis, subitamente temos vontade de ser essa consumidora chique e relax que ele propõe. O tweed rejuvenesce no contraste com os rabos de cavalo com dreadlocks assinados por Sam Mcknight.
Em oposição ao largo, leggings metálicas e tops curtinhos reforçam ainda mais o lado hiphop do desfile. Na primeira fila, Rihanna, a garota Balenciaga e a figura da temporada, parece querer adotar. Número 2 na lista do mercado: tênis de corrida. É certo que a versão cuissarde, de cano extralongo, vai entrar nos editoriais de moda mundo afora no lugar das botas. Para quem vive o inverno daqui, outra boa ação do Kaiser foi embelezar o casaco acolchoado longo, muito mais dominante aqui do que os casacos de pele: no desfile ele vem prata e matelassado.
Por fim, como humor e ironia fina é o que sobram em Lagerfeld, a cena que qualquer mulher gostaria que virasse realidade: ir ao mercado vestida de Chanel, acompanhada por um marido de terno que carrega as sacolas brancas com o duplo CC, como quem acaba de esvaziar as araras do número 31 da Rue Cambon.