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Lázaro Ramos abre a Flip lendo trechos de biografia de Lima Barreto

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Lázaro Ramos (Foto: Bob Wolfenson)

 

A Flip - Lima Barreto começa nesta quarta (dia 26) com Lázaro Ramos realizando uma leitura da biografia Lima Barreto - Triste Visionário, na qual a escritora Lilia Schwarcz narra a trajetória do primeiro autor negro homenageado pela Feira Literária de Paraty. "Vai ser muito legal", acredita Lázaro. "Adoro a Flip. Fui a primeira vez no ano passado para lançar um livro infantil, na Flipinha", diz ele.

O ator leva consigo Na Minha Pele (Objetiva/Companhia das Letras), mescla de autobiografia e estudo sobre o racismo na qual Lázaro Ramos conta suas experiências pessoais, desde a infância. A obra foi lançada em junho e está na lista de livros mais vendidos: "A Flip será o primeiro grande evento em que vou poder experimentar o livro e ver como as pessoas o receberam", acredita Lázaro. "Venho escrevendo já faz um tempo para crianças ou peças infantis... A Flip tem um lugar de reflexão importante para a literatura que eu não tinha acessado com um livro adulto. Vai ser muito importante".

A edição deste ano do evento tem outra característica marcante: é a primeira vez que a maior parte da programação é dominada por mulheres, como um reflexo da curadoria de Josélia Aguiar, primeira mulher à frente do programa da feira. Entre os destaques, autoras africanas ou de origem afrodescentes como a franco ruandesa Scholastique Mukasonga, a brasileira Conceição Evaristo e a angolana Djaimilia Pereira de Almeida

A seguir, confira a segunda parte da entrevista exclusiva de Lázaro Ramos à Marie Claire, na qual ele fala sobre sua iniciação sexual, a parceria com Wagner Moura e responde a pergunta: É bom ser negro no Brasil?

MC Você foi um adolescente feliz?
LR
Não pensava sobre isso porque tinha urgência em ter trabalho, receber um salário mínimo, o ritmo da vida não permitia parar para ficar lamentando. Eu era muito tímido e sempre me cobrei muito. Eu não ia a festas, queria ser bom aluno na escola, sentar na cadeira da frente, ser responsável. Começar a fazer teatro, aos 15 anos, me trouxe um pouco mais de relaxamento. Me mostrou que ter prazeres não ia me atrasar em nada. A arte me salvou.

MC Usa drogas? Defende a legalização?
LR
Não vou dizer que sou moderninho, que já usei, porque não é verdade. Quero dizer, eu bebo. Sobre legalização, não consigo ter uma opinião. Fui criado com medo de tudo, inclusive de maconha. Uma vez, um primo fumou e foi pego. Rolou reunião de família. Foi um drama. Convivo com amigos que fumam e não vejo alteração no comportamento deles.

MC Como foi sua iniciação sexual?
LR
Com minha primeira namorada, aos 17 anos. Disse a ela que já tinha transado horrores, para parecer que era experiente, mas não tinha ideia do que fazer quando me vi no quarto. Lembro que caprichei na saliva pro beijo, porque li que dava mais tesão [risos], mas achei nojento e engoli. Não sabia se chupava as partes íntimas dela ou se aquilo era asqueroso. Após MC Quem tomou a iniciativa de voltar?
LR Para mim, nunca me separei. Sempre disse a ela: “Isso é só um tempo, mas a gente volta”. Ficava enchendo o saco. Não parava de telefonar para ela.

MC O que foi fundamental para formar esse Lázaro que existe hoje?
LR
A infância, tanto na casa de Dindinha, em Salvador, quanto na ilha do Paty, a uma hora dali. Crescer na ilha, um lugar lúdico, viver num quintal, que me protegeu da rua e me deu uma possibilidade criativa, definiram quem sou e a escolha da profissão. Quando vou trabalhar, ainda acho que estou naquele quintal, brincando nas ruas. Ao mesmo tempo, ao vir para o Rio, deixar uma família que me amava, o Bando de Teatro Olodum, no qual um ator negro não tinha limites para viver um personagem, me apresentou outros desafios. Ter encontrado diretores como Karin Aïnouz, que investiu num rapaz de 21 anos como protagonista de Madame Satã, foi uma loucura! Nunca tinha feito um homossexual e fui desafiado a fazer não cenas de sexo gay, mas de amor gay.

Taís Araújo e Lázaro Ramos estrelam clipe de Angelo Paes Leme (Foto: Reprodução / Instagram)LLázaro e Taís em cena de um videoclipe (Reprodução)

 

MC Você tinha preconceito antes?
LR
O Zebrinha [José Carlos Arandiba, diretor do Balé Folclórico da Bahia], meu mestre artístico, é gay e casado há 25 anos. Um dos meus primeiros conceitos de família foi a dele. Por outro lado, ao ler o roteiro pensei: “Pô, tem cenas de sexo, vou ter de ficar nu...”. Tinha toque, tinha pele. Mas tenho a tendência a me envolver com os personagens e estava tão apaixonado por Madame Satã que fiz tudo com facilidade.

MC Você é movido pela paixão até hoje?
LR
Sou ator há 27 anos, mas continuo me impondo desafios. Depois do Foguinho, só recebi convites para fazer comédias e neguei. Não fui para esse lugar seguro. Persigo até hoje a paixão que senti por Madame Satã.

MC No livro, você conta que recusou personagens importantes porque não segura uma arma. Como é isso?
LR
Pelo jeito que mostram os negros em cena, decidi que não aceitaria viver esse tipo de personagem, virou uma regra. Não queria que as pessoas vissem um ator negro nessa situação. Isso fez diferença no meu processo criativo e na maneira como as pessoas me encaram como ator. Não contribuo para que o negro seja visto como bandido.

MC Que filmes importantes deixou de fazer. Tropa de Elite? Cidade de Deus?
LR
Posso dizer que foram filmes famosos, de grande sucesso de bilheteria.

MC Hoje você faria?
LR
  Em Mundo Cão, fiz meu primeiro vilão. Hoje, acho que tenho mais recursos como ator para trabalhar com essa dramaturgia. Mas com certeza ainda há muito debate com os diretores sobre a representatividade dos negros. A questão não é fazer o porteiro, a empregada doméstica, mas como a gente eleva a qualidade desses personagens quando representados por negros. Nas séries americanas, por exemplo, os negros representam personagens complexos. Aqui no Brasil, há um ranço da cafonice – e digo cafonice para ser simpático. Nossa sociedade é patriarcal, racista e preconceituosa.

MC Sua trajetória está ligada à de Wagner Moura. Como se conheceram?
LR
Foi aos 17 anos. Achava o Wagner estranho, com cara de roqueiro. Só andava de cabeça baixa e usava os cabelos compridos, cobrindo o rosto. Era bom ator, mas meio grunge. Um dia, assistiu a uma peça que fiz com o Bando e pediu para ser meu amigo. Depois disso, trabalhamos juntos e ficamos próximos. Viramos irmãos e confidentes.

MC Foi ele quem te indicou para fazer a peça A Máquina, seu primeiro grande sucesso no teatro, certo?
LR
Sim, e foi a peça que mudou minha vida. Neguei três vezes porque estava no Bando. Então, o Wagner foi de Pernambuco, onde eles estavam em cartaz, até a Bahia, e disse que eu precisava dar outro passo. Quando decidi ir, vivi pela primeira vez fora da minha rede de proteção. Vladimir Brichta, Wagner e eu dividíamos um quarto que tinha uma cama, um colchão e um edredom. O Vladimir dormia na cama, porque estava com o braço quebrado, e o Wagner e eu nos revezávamos no colchão e no edredom. Viramos uma família.

MC Foi graças a A Máquina que você morou em São Paulo e depois no Rio. Viveu dificuldades?
LR
Meu período em São Paulo foi tenebroso. Lembro de morar perto da Avenida Paulista. Um dia, fui comer no Bob’s, sentei numa cadeira individual, de frente para a parede, e me senti tão solitário que comecei a chorar. Comia e chorava. Depois tive uma crise de riso me achando meio Bridget Jones. Quando cheguei ao Rio, meu sonho era comprar uma casa. Tinha muito medo de passar fome na terra dos outros.

MC E você comprou?
LR
Meu salário era de R$ 1.500 mais um cachê de R$ 200 para o transporte. Então, comprei uma bicicleta velha por R$ 50 e andei pela cidade inteira com ela. Meu joelho vivia doendo. Nesse período, fiz muito cinema e todo mundo que me convidava para trabalhar dizia: “Não tenho casa, preciso de um hotel”. Quebrei o cartão do banco e tudo o que recebia eu guardava. Não fui a festas nem conheci a Lapa, que fervia nessa época. Depois de quatro anos, comprei um apartamento em Santa Tereza.

Lázaro Ramos criança, comemorando o aniversário com a família (Foto: Arquivo Pessoal)

 

 

MC Você ajudava sua família?
LR
Sim. Na minha família todo mundo se ajuda. Com meus salários, comprava presentes e dava uma graninha também. Quando comecei a ficar famoso, isso gerou um problema. Eles passaram a se relacionar comigo como se eu fosse o mantenedor, o que acabou tirando o afeto. Ninguém perguntava se eu estava bem, se precisava de algo. Meu pai me ajudou com isso: não sei o que ele fez, mas, vez em quando, recebo uma mensagem no WhatsApp de um primo perguntando se eu estou bem [risos].

MC No livro, você diz que costuma perguntar aos amigos se é bom ser negro no Brasil. O que você acha?
LR
Lutamos para que seja. Ainda não é fácil, temos muitos desafios, mas um dia pode vir a ser. É um processo em construção e o fato de mais pessoas estarem falando sobre o assunto, se envolvendo, pode fazer com que a gente chegue lá. Estamos no caminho.


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