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Em casa, Alan Frank detalha luta contra Covid-19: "Cheguei muito perto da morte"

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Alan Frank se recupera em casa (Foto: Arquivo Pessoal)

Quando soube que precisaria ser entubado por conta do agravamento da Covid-19, Alan Frank viu sua própria retrospectiva passar na sua mente. "Veio a minha vida inteira em frações de segundos", conta. Suas últimas palavras para o médico intensivista foram um pedido: "Você promete que vai fazer tudo que puder para me trazer de volta?". 

Nos momentos que antecederam a sedação, o ex-integrante do grupo Polegar e hoje médico oftalmologista teve outro "diálogo". "No momento de tanta preocupação e dor cheguei a pensar no meu amigo querido Gugu (Liberato), que perdemos em novembro. Será que vou encontrar com meu amigo tão cedo?", lembra. "Eu pensava e conversava com ele: Gugu, eu sinto saudades, mas não está na hora da gente se encontrar. Me ajuda, eu preciso ficar mais tempo aqui. Eu tenho filhos pequenos para criar, tenho muita coisa para fazer aqui nessa vida ainda".

A partir daí Alan foi sedado. Seus pulmões estavam 80% comprometidos e a doença, descoberta cinco dias antes, em estágio avançado. Após exatas quatro semanas no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, ele foi liberado no último domingo, 28. 

Em casa, ao lado da família, Alan detalhou à Marie Claire sua experiência, conta que recebeu um áudio de dona Maria do Céu (mãe de Gugu) ao acordar, e fala de seu maior medo: desamparar a família - ele é pai de Renan, de 23 anos, Nathan, de 21, e dos gêmeos Luca e Luigi, de sete - os caçulas frutos do relacionamento atual com a médica Fernanda Soglia. "Foram momentos muito difíceis, eu tinha muito medo de não rever a minha família, de não conseguir sair dali. Era um desespero muito grande".

Ele ainda faz um apelo a quem ainda não dá a devida importância à pandemia do coronavírus. "Pelo amor de Deus, não minimizem a Covid-19, a doença é gravíssima". 

O baque do diagnóstico

No final da tarde do dia 25 de maio comecei a sentir uma leve dor de garganta, muita dor no corpo e uma tosse seca. No dia seguinte de manhã a dor de garganta tinha passado, a dor no corpo se intensificado e a tosse permanecido. Imaginei que poderia ser uma gripe, mas por prudência mandei cancelar meus atendimentos de consulta e cirurgia. Me dirigi ao Hospital Albert Einstein, onde eu faço parte do corpo clínico de oftalmologia e fiz o teste do coronavírus. No finalzinho da tarde já recebi o resultado positivo. Foi um baque pra mim, mas não imaginava que pudesse complicar tanto. Eu sou uma pessoa que se cuida bastante, tomo muitas vitaminas todos os dias, não tenho sobrepeso, diabetes ou pressão alta. Eu imaginava que seria um quadro leve como é pra muita gente. Procurei o meu pneumologista de confiança e comecei a me tratar em casa, mui piorando progressivamente. Eu sempre media a saturação em casa, até que no domingo estava bem abaixo do razoável e ele pediu para que eu fosse internado.

A ida à UTI

Fizeram a minha internação inicialmente na unidade semi-intensiva onde iniciei tratamento. Comecei a piorar muito tanto na parte respiratório como de tomografia. O doutor apareceu lá de madrugada muito preocupado com o protocolo para eu assinar a autorização para eu receber plasma de convalescente (o plasma com os anticorpos de pacientes que tiveram a doença). No modo que eu estava ali senti que estava quase morrendo, eu assinei, nem li o papel direito. Eu tive muita sorte, na mesma noite eu recebi duas bolsas de plasma, que eu acho que foi um grande diferencial no meu tratamento, porém o efeito máximo desse plasma  é em torno de 48 horas. Quando deu 24 horas eu precisei ser transferido para a UTI e ser entubado. Esse momento foi um dos mais difíceis da minha vida. Eu estava lúcido, orientado, entendendo tudo que estava acontecendo. Eu perguntei se havia risco de eu não voltar ele falou que havia, mas que era muito pequeno porque eu era jovem e eu estava em um dos melhores hospitais do mundo. Na hora veio a minha vida inteira, em frações de segundos pela minha mente. Pensei muito na minha família, principalmente nos meus filhos pequenos gêmeos que são os mais jovens e são os que mais dependem de mim. Eu falava 'Deus, eu estou tão jovem, não está no momento de eu ir embora'. Foi uma coisa realmente muito muito muito forte. No momento de tanta preocupação, de tanta dor, cheguei a pensar até no meu amigo querido Gugu, que nós perdemos em novembro. Será que vou encontrar com meu amigo tão cedo? Eu pensava e conversava com ele: 'Gugu, eu sinto saudades, mas não está na hora da gente se encontrar. Me ajuda, eu preciso ficar mais tempo aqui. Eu tenho filhos pequenos para criar, tenho muita coisa pra fazer aqui nessa vida ainda'. O médico perguntou se podia entubar e eu disse 'só te peço uma coisa. Você promete que vai fazer tudo que você puder para me trazer de volta e me manter vivo?'. E ele falou 'isso a gente te promete'. Nesse momento eles me sedaram, como é protocolo, e eu não lembro mais de nada.

Alan Frank no hospital (Foto: Reprodução / Instagram)

Reaprendendo a viver

Acordei depois de uma semana, minha garganta doía muito por causa do tubo. Parecia que eu estava meio no além, tinha umas luzes fortes na parede da UTI, uma TV grande com noticiários que só falavam de Covid. Pedi pra desligar. Lembro que as três primeiras noites lúcido depois que me desentubaram eu só chorava quase que o tempo todo, passei três noites acordado. Me sentia praticamente inválido, eu não tinha força nas pernas, não conseguia andar, não conseguia sequer escovar meus dentes, e me senti totalmente vulnerável. Eu precisava da ajuda de outras pessoas pra tudo. Aqueles funcionários pra mim eram os anjos que Deus colocou aqui na Terra pra cuidarem de mim. Depois de uns dias comecei a conseguir andar devagarinho apoiado em duas pessoas, depois eu fui evoluindo até o dia que eu conseguia ir quase sozinho ao banheiro. A fonoaudióloga começou a me ensinar a beber líquidos novamente, a comer. Foram momentos muito difíceis, eu tinha muito medo de não rever a minha família, de não rever meus filhos, de não conseguir sair dali, era um desespero muito grande. Quando eu acordei na UTI eu tinha furo em tudo que é canto. Foi muito doloroso. Chega num momento que você está tão vulnerável que você perde totalmente a vaidade, você perde o pudor, você não tem vergonha de ninguém. Qualquer um pode te dar banho, pode cuidar de você, você só pensa em sobreviver, em respirar novamente. Seu único desejo é respirar e viver. Você quer ficar bom e poder voltar para sua família e ficar perto das pessoas que você ama e que te amam.

Lições

Você começa a valorizar muito todos os funcionários, os da limpeza, os da enfermagem que me ajudavam, me davam banho no leito inicialmente com um paninho, os que faziam minha barba no leito, cuidavam de mim com tanto amor e carinho. Os médicos que fizeram de tudo para me manter vivo, os fisioterapeutas, a nutricionista. Todos foram muito importantes. desde o mais humilde até o PHD foram fundamentais na minha recuperação.
Outra grande lição é quanto nós somos frágeis, o quanto a vida é curta e o quanto as coisas materiais não valem nada. Eu estava ali naquele leito de hospital usando uma camisola cirúrgica. Quando eu pude voltar a usar uma roupa por mais simples que fosse, me senti uma pessoa tão abençoada. São pequenas coisas que você começa a dar mais valor. O primeiro dia que eu tomei um banho no chuveiro foi um banho sentado de chuveirinho, pra mim foi uma benção. Eu liguei pelo celular pra minha esposa para contar com um super sorriso, como se fosse a coisa mais preciosa do mundo. A gente percebe que a maior riqueza da nossa existência são os momentos. A vida passa muito rápido. Outra grande lição são os amigos. Muitos que se diziam amigos quando você está bem desaparecem nesse momento, e outros que você achava que nem eram tão amigos nos surpreendem e dão apoio fantástico para nossa família. 

Alan Frank com a mulher, Fernanda Soglia, e os gêmeos Luigi e Luca (Foto: Arquivo Pessoal)

 

A volta pra casa

Foi emocionante. Eles prepararam a casa toda para me receber, encheram de bexigas, colocaram parabéns na parede, fizeram uma super festa. Tive que sentar na sala e jogar vídeo game com os dois, está uma delícia ficar com eles. Agora continuo fazendo fisioterapia respiratória e motora em casa, continuo com minha dieta balanceada porque desenvolvi pancreatite (inflamação no pâncreas) medicamentosa por conta de tantos medicamentos que eu tomei. Estou com anemia por conta do quadro infeccioso, mas está tudo melhorando pouco a pouco. Aliás, estou melhorando em uma velocidade bem superior ao que as pessoas imaginavam. Tenho me cuidado bastante porque não estou 100% ainda, diria que estou 90%, embora não tenha mais risco de passar pras pessoas porque já testei negativo. 
Eu não tenho ideia de como contraí a doença, realmente acho que não foi no trabalho porque eu chegava a ser neurótico de tão cauteloso que eu era. Atendia com uma máscara que tem nível máximo de proteção, por cima colocava um face shield, que é aquela máscara transparente, usava touca cirúrgica, um jaleco comprido e fechado e trocava as luvas várias vezes durante a consulta. Uma suspeita minha é que tenha sido por comida delivery, nós tínhamos muito hábito de pedir comida em casa, mas não posso afirmar que foi assim.

"Sinal" de Gugu

Quando eu já estava lúcio, já na semi-intensiva de volta, eu recebi uma mensagem emocionante por whatsapp da mãe do Gugu, uma senhora com mais de 90 anos, que está passando uma das maiores dores que uma mãe pode passar que é a perda de um filho. A gente não mantinha contato há algum tempo. Ela me mandou um áudio dizendo que estava orando muito por mim, que estava ligando para avisar que eu ficaria bom, que eu voltaria pra casa. Foi uma coisa impressionante. Parece até que tem ligação uma coisa com a outra, né? Não sei se o fato de eu ter conversado com o Gugu pedindo pra ele, se ele intercedeu e fez com que a mãe me ligasse e desse esse recado... Para quem acredita, é uma passagem muito forte.

Apelo

Pelo amor de Deus, não minimizem a Covid-19, a doença é gravíssima. Realmente pra algumas pessoas de muita sorte ela vem de maneira suave, tenho colega médico que se contaminou e não teve nenhum sintoma, descobriu porque foi fazer o exame e viu que tinha os anticorpos. Meus filhos tiveram somente manchinhas na pele. Mas muitas pessoas complicam, e é muito grave, muitos morrem, muitos pais ficam sem filhos, muitos filhos ficam sem pais a doença com muitas pessoas é terrivelmente cruel. Eu cheguei muito pertinho da morte. Digo que não morri porque Deus não quis, porque tive muitas orações, muitas pessoas pedindo por mim, porque eu estava em um dos melhores hospitais do mundo, certamente fez a diferença. Mas cheguei muito próximo da morte, dá vontade de chorar de desespero, é uma doença muito triste. Tomem muito cuidado, ninguém tem bola de cristal, não tem como você saber se terá a forma leve ou se você vai ter a forma grave. O melhor que todos podem fazer é se cuidar, se prevenir ao máximo. Não brinquem, não achem que é coisa de política, ou coisa de mídia. É um milagre eu estar vivo, agradeço a Deus todos os dias, acredito que Ele tem um propósito maior pra mim e prometo fazer valer a pena essa nova chance que eu tive, considero que eu renasci, que eu tenho dois aniversários agora.

Alan Frank com a mulher, Fernanda Soglia, e os gêmeos Luigi e Luca (Foto: Arquivo Pessoal)

 

 

 


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